sábado, 9 de fevereiro de 2008

Lugar de meia-sola, antigamente, era no chão


No passado as pessoas usavam sapatos. Sapatos eram peças parecidas com tênis, que serviam para proteger os pés. Em geral eram feitos de couro – os sapatos; os pés eram feitos de calos, joanetes e unhas encravadas. Os sapatos tinham solas, também de couro, que se desgastavam e acabavam por furar. Justamente quando o calçado lasseava, ficava macio, maneirinho, a sola ganhava um furo. O recurso era levar a peça a um sapateiro ou remendão – outra hora eu explico o que era um sapateiro, senão a coisa não anda – para colocar meia-sola.

O conceito de meia-sola estendeu-se para o aproveitamento de qualquer coisa que ainda tem boas condições de uso, mesmo que não esteja nova. E mais do que coisas, passou a aplicar-se a pessoas. O sujeito via uma mulher bonita, apesar de já entrada em anos – cada expressão! – e dizia: “a coroa ainda agüenta uma meia-sola”. Queria dizer que a referida senhora estava em boas condições de uso, que não precisava ser deixada às traças. O uso da locução ultrapassou a existência do fato que lhe deu origem. Quando a geração tênis ouviu tal comentário passou a imaginar que meia-sola fosse um eufemismo para trepada. O sentido era o mesmo de “a coroa ainda agüenta uma trepada”. Talvez a rapaziada não tenha refletido a respeito, mas o fato é que as coroas sempre agüentam uma trepada. Os coroas é que abrem o bico fácil, fácil.

O nome deste blog não tem, porém, nenhuma conotação sexual. E ainda menos qualquer relação com o aproveitamento de algo que não seja novo. A única coisa que não é nova aqui é o autor, embora esteja em perfeitas condições de uso. O fato é que o sapato com meia-sola havia sido remendado – e o oficial era o remendão, tá entendendo a etimologia, freguesa? – mas continuava macio e quebrava um galho. Essa história de dizer que a coisa “quebra um galho” é mais antiga. Deve ser do tempo em que os antepassados do Darwin viviam em árvores, trocando goiabas e umbus com chimpanzés e gorilas. Mas isso não importa muito agora. O que importa é que sapato com meia-sola era muito mais gostoso. Talvez mais feio, um tanto desbeiçado, meio disforme, mas gostoso, confortável, aconchegante. Do jeito que imagino estas páginas. Talvez meio feias, um tanto desbeiçadas, meio disformes, mas gostosas, confortáveis e aconchegantes. Pretendo mantê-las engraxadas, mas não esperem muito brilho. É por aí.



• Celso Paraguaçu •