MS: Hoje tem marmelada?
GC: Tem sim senhor.
MS: Hoje tem goiabada?
GC: Tem sim senhor.
MS: E o palhaço, o que é?
GC: O palhaço é um símbolo da nossa civilização. E não só dos oprimidos. É o elemento que substitui o espectador, que encarna sua vontade e diz o que ele não pode dizer. O palhaço veste-se, pinta-se e comporta-se com objetivo de não ser levado a sério. Isso lhe permite escapar das convenções e limitações que a sociedade impõe aos indivíduos normais. O palhaço é o louco inconseqüente, que na Idade Média fazia críticas aos poderosos, travestido em bobo da corte. Corria o risco de ser enforcado a cada apresentação, mas se o rei o enforcasse, dificilmente conseguiria um substituto. Dessa forma o bobo funcionava como a consciência externa do poderoso monarca. Se este fizesse uma besteira, poderia ser ridicularizado pelo bobo na presença de toda a corte.
Hoje o palhaço fala e faz o que os reprimidos membros da sociedade gostariam de fazer. É um papel catártico. O palhaço disse tudo e o espectador sai com a alma lavada.
Esse negócio de dizer que o palhaço é ladrão de mulher é pura falácia. Ladrão de mulher é trombadinha. Nos circos de antigamente, o palhaço era o elemento que dispunha de alguns recursos para atrair as moçoilas fugidiças, é verdade. Era alegre, inteligente – mesmo quando fazia papel de bobo – e andava disfarçado. Ninguém sabia como era o palhaço quando não estava vestido de palhaço, então era freqüentemente acusado de ter roubado a moça. Podia fugir com facilidade, pois bastava que se vestisse à paisana para não ser reconhecido. E poderia ir para outro circo, ou mudar a pintura da cara, o nome e as roupas artísticas.
Mas a verdade é que o palhaço não seduzia ninguém. As mulheres é que queriam fugir da vida que tinham. O circo representava a possibilidade de realização do sonho da mudança. Muitas mulheres jovens são assim: atiram-se nos braços do presente, sem dirigir os olhos para o futuro. E é assim que a sociedade as quer, por isso inventa sempre um responsável pelas irresponsabilidades das moças.
Em geral, o palhaço era o acusado, ainda que nem sempre fosse o escolhido pelas moçoilas. Os acrobatas eram saradões; os equilibristas, ágeis; os domadores, valentes; os mágicos, misteriosos. Todos tinham atrativos para as mulheres. O palhaço era somente um palhaço.
Nós, palhaços, assumimos nossa função de bodes expiatórios da sociedade. Por isso dirigíamos à platéia as perguntas que você me fez. Sempre foi isso que a sociedade esperou do palhaço, e é o que espera ainda hoje: que se mostre ridículo, para encobrir o quão ridícula a própria sociedade é.
MS: Desculpe, GC, mas a conversa está ficando muito séria.
GC: Tá vendo? O que você quer do palhaço é palhaçada! Ninguém fala a sério com o palhaço!
MS: Bem, a proposta do Meia-sola é de não falar a sério, mesmo quando o assunto é sério. Hoje, por exemplo, temos a votação da CPMI dos cartões de crédito corporativos.
GC: Ah, não! Isso é palhaçada!
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