quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Abaixo a inclusão digital


De vez em quando surge uma expressão que toma conta do falar das pessoas. A freguesa deve se lembrar do “a nível de”, não? Todo mundo falava “a nível de”. E isso não queria dizer nada, só dificultava a construção das frases. “Tá com fome, cara?” e o outro: “É, a nível de comida, estou sim.” Nos últimos anos surgiu a moda de dizer “com certeza”. Usa-se como uma vírgula colocada após o ponto final. Também substitui as reticências. É muito útil para quem não tem o que dizer, mas tá doido de vontade de falar. Felizmente já está perdendo força.

É difícil saber como começam essas modas, mas é preciso estar atento para evitar as besteiras. A inclusão digital é um bom exemplo.

Essa dá até para desconfiar de onde veio. Todo mundo andava falando em inclusão social e alguém teve a brilhante percepção de que se o carinha não tivesse acesso à internet não conseguiria se inserir na sociedade. Mas alguém teve a infeliz idéia de batizar isso de inclusão digital, para ficar parecido com inclusão social. E pegou. Os governos, nas três esferas, adotaram o discurso da necessidade da inclusão digital. E na maioria dos casos, limitaram-se ao discurso. A Igreja reconheceu a importância da inclusão digital. Criaram-se até ONGs para promover a inclusão digital.

E alguém pensou no que é exatamente a inclusão digital? Não. Ficam repetindo uma besteira que alguém inventou, papagaiando. É só pensar um pouco. Inclusão todo mundo sabe o que é: pega-se alguma coisa que está do lado de fora e coloca-se dentro. Inclusão é pôr alguma coisa no meio de outras. E digital é relativo a dedo. O carimbo do polegar chama-se impressão digital, ou seja, a marca que o dedo imprime. Portanto, inclusão digital significa colocar o dedo dentro, ou no meio. Ui!

Tem quem goste. Mas não é todo mundo. Confesso que eu ficava meio assustado quando via pessoas do governo, da igreja e das ONGs falando em colocar o dedo dentro. E tinha uns caras com cada dedão! Tou fora! Comigo não! Não se pode sair por aí enfiando o dedo indiscriminadamente! Essas coisas não se fazem por lei, nem no atacado. Tem de conhecer o público-alvo, saber quem gosta e quem não gosta. E não basta gostar, tem de querer. É uma coisa pessoal, muito particular, e varia conforme o momento. Tem de pintar um clima.

Desconfio que as entidades que defendiam a inclusão digital assumiam-se como incluidoras. Se alguém chegasse com o dedinho querendo enfiá-lo no governo, ou na ONG ou na igreja, será que os donos das instituições deixariam? Inclusão digital nos outros é refresco. Eu nunca vi numa favela uma faixa com os dizeres “inclua seu dígito aqui”. Nem naqueles classificados de desclassificadas dos jornais tinha disso. Ou alguém leu algo como: “AAA Sheyylla loira espetacular universitária completa. At. motel/resid. Aceita inclusão digital”?

A coisa não funcionou, ninguém mais fala nisso. Felizmente. Era só discurso, como quase tudo que é bom. Mas penso que inclusão digital não era muito bom. Todo mundo queria enfiar o dedo, mas não tinha em quê. Ou em quem. O sábio Stanislaw Ponte Preta, também conhecido como Sérgio Porto, dizia, ainda na década de 1960: “Rabo e conselho só se deve dar a quem pede”. Esse é um conselho que ninguém pediu, mas é bom. A inclusão digital também devia ser tratada assim.

• Celso Paraguaçu •