terça-feira, 20 de maio de 2008

O grande buraco debaixo da Europa



Em julho ou agosto deste ano entrará em operação o Large Hadron Collider, ou simplesmente LHC, como é conhecido entre os físicos. O LHC, que faz parte do Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern, na sigla em francês), está instalado em um túnel circular de 27 km de extensão escavado a 100 metros da superfície, em média.

Escavar o túnel deve ter dado uma dor de cabeça danada. A freguesa já imaginou o tamanho do compasso necessário para desenhar um círculo de 27 km de extensão? O raio do tal túnel tem, segundo meus cálculos, quase 4.300 metros. Quem seria capaz de fazer girar esse compassão? E como é que os caras fizeram para traçar o risquinho do compasso 100 m abaixo da superfície? Os engenheiros tiveram de relembrar todas aqueles contas que aprenderam a fazer no cursinho.

Dá para imaginar a cena. Ao lado do operador do tatuzão, a máquina inventada para fazer túneis, vai o engenheiro, usando um daqueles ridículos capacetes de plástico colorido. Tem nas mãos uma pranchetinha de plástico que já vem com calculadora, fabricada na China e comprada no camelô da esquina. De vez em quando, ele faz umas contas, manda parar a máquina, se afasta um pouco, verifica a bússola e diz:

— Mais para a direita um pouquinho, Severino.

Passa um tempinho, ele manda parar a máquina de novo, refaz os cálculos e diz: “Para a esquerda agora, mas não muito.” Severino, como bom trabalhador de obra, obedece sem discutir, mas já percebeu que não vai dar; o fim do túnel não vai coincidir com o começo. Dois dias depois, o engenheiro chega meio sem jeito:

— Severino, vamos ter de voltar uns três quilômetros. Naquele ponto em que você virou um pouquinho para a direita era para ir em frente. E fique de olho no nível, senão a gente sai acima ou abaixo do ponto inicial.

Na cerimônia de visitação do túnel, em 6 de abril passado, ninguém falou quantos inícios errados de espirais foram feitos, caracóis para fora e para dentro do círculo, para cima e para baixo. Foram muitos, certamente. Mas finalmente conseguiram fazer as duas pontas se encontrarem. E aí encheram o túnel de tubos de vidro, de peças de metais variados e muitos quilômetros de fios.

Todo esse trabalho tem uma justificativa. Os físicos querem compreender melhor a Natureza. Farão com que alguns prótons se choquem, cada um vindo de um lado do túnel quase à velocidade da luz e sem freio, para que se dividam em seus componentes fundamentais, os quarks e bósons, partículas responsáveis por três das quatro forças da natureza: eletromagnetismo, atração nuclear forte e atração nuclear fraca. São estas que mantêm os quarks reunidos em porções maiores de matéria, como os prótons. Também permitem que os prótons fiquem grudadinhos, mesmo tendo todos carga positiva. A quarta força é a gravitacional. Os cientistas acham que a força gravitacional fica de fora nesses experimentos. Não fica, mas eles pensam que fica, os tolinhos. O tal do bóson, que explicaria muita coisa, nem se sabe se existe mesmo. Mas os maluc... os físicos esperam detectá-lo no LHC.

A freguesa não precisa se preocupar com as trombadas dos prótons. Nem mesmo se tiver algum parente na Suíça que ganhe a vida prosaicamente, criando meia dúzia de vaquinhas leiteiras nalgum vale 100 metros acima do grande túnel. Não haverá cogumelos atômicos jogando as vacas para o ar. Os choques de partículas não produzirão energia suficiente nem para acender um cigarro. O que, aliás, é proibido no LHC.

Ao compreender melhor os fenômenos físicos da Natureza, os cientistas darão consistência a certas teorias, como o Modelo Padrão. Teoria é uma explicação para um determinado fenômeno. Não passa de uma hipótese, que precisa ser comprovada para ser universalmente aceita e virar Lei da Física. Quando Einstein disse que a luz era desviada por corpos de grande massa (os de pequena massa também a desviam, mas seria mais difícil constatar nestes), foi preciso esperar por um eclipse total do Sol para comprovar se a teoria estava certa ou não. Estava, antes que a freguesa me pergunte.

Conhecer as forças atuantes na Natureza tem muita utilidade. Quando a freguesa deixou cair acidentalmente aquele horrível vaso de porcelana que ganhou da sogra, o que fez, fisicamente, foi expor a pavorosa peça à ação da força da gravidade. O vaso não caiu; foi atraído pela grande massa do Planeta Terra. Ao chegar ao chão houve um choque de forças, a da gravidade contra a da superfície, exercida em igual intensidade, porém em sentido contrário, como explicou Newton. O resultado do choque interferiu nas forças que mantinham coesas as partículas que constituíam o vaso, causando a fragmentação do objeto. Em outras palavras, aquela coisa horrorosa espatifou-se.

Mas o ímã de geladeira com o telefone da distribuidora clandestina de gás de cozinha não cai. Fica grudado como se tivesse algum tipo de adesivo. É a força eletromagnética que o mantém lá, superando a ação da gravidade. A freguesa poderia perguntar de onde vem o “eletro”, se o cartãozinho não tem pilha. A resposta é simples: eletricidade e magnetismo são forças complementares, uma gera a outra. Um ímã é puramente magnético apenas quando está parado. Ao se movimentar, induz uma corrente elétrica em qualquer condutor que esteja por perto. Como no Universo nada está parado, salvo as obras públicas que não dão voto, o ímã de geladeira também é eletromagnético.

Está, pois, explicado o envolvimento de quase 10 mil físicos, dentre os quais 68 brasileiros, e o investimento de quase 9 bilhões de dólares desde 1993 na construção do LHC. Em poucos anos a Ciência permitirá o desenvolvimento de novas tecnologias que propiciarão o aperfeiçoamento dos ímãs de geladeira.

• PGC •

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