quinta-feira, 6 de março de 2008

Que aconteceu com a lua?



Depois do eclipse de que foi vítima em fevereiro, a lua não apareceu mais. O fenômeno não me teria (ôpa!) chamado a atenção, pois não fico olhando a lua. Tenho mais o que fazer. Contudo, um de nossos fotógrafos, autor das misteriosas fotos do eclipse publicadas nestas páginas (veja "À sombra da Terra", nas postagens mais antigas), insistiu em vasculhar o espaço em busca do “selênico corpo celeste”, nas palavras dele, que havia sumido.

Aqui no Meia-sola temos um princípio: “o autor que autoreie”. Em outras palavras: quem sugere a pauta que faça a reportagem. É incrível como diminuiu o número de pautas furadas depois da implantação desse princípio. Também diminuíram as pautas firmes, é verdade, sobretudo depois que o pauteiro se demitiu aos brados de “eu não vou fazer todas as reportagens, não vou mesmo! Vão para a pauta que os pautou!” Que se há de fazer? Ele não entende nada de pensamento empresarial em comunicações, de engenharia de recursos humanos, de eficiência administrativa, essas coisas.

O fotógrafo protestou, dizendo que não é redator, mas cedeu ao meu argumento de que depois que inventaram a internet, todo mundo virou repórter e fotógrafo. Para que meu argumento não ficasse com cara de ameaça, lembrei a ele o princípio da pauta (“o autor que autoreie”). Um tanto amuado, com o tripé numa mão e a sacola de equipamentos no ombro, lá foi ele buscar as imagens.

Eu poderia pedir para um repórter ligar para algum astrônomo das Sebosas, as sujas folhas de telefones de fontes que percorrem a redação, de mesa em mesa. O astrônomo poderia explicar por que a lua não estava mais no céu. Preferi não fazê-lo, porém, pois não estava certo do sumiço da lua nem saberia dizer o que muda aqui na Terra sem uma lua no céu. Como eu poderia orientar o repórter?

Honestamente, a mim pouco se me dá se a lua está lá ou não. A lua já não interessa mais nem aos poetas. E aos namorados muito menos, pois hoje em dia eles têm coisas mais curiosas para olhar. As moças usam tantas tatuagens que parecem historias em quadrinhos. Outro dia vi uma gordinha com o corpo tão cheio de desenhos que me pus a pensar: se ela emagrecer, será que vai melhorar a definição, vai borrar ou vai dar moiré? Quando essas moças tatuadas envelhecerem, as histórias em quadrinhos vão ficar amarrotadas...

Lua é coisa do passado, de quando demagógicos governantes do Leste e do Oeste queriam conquistá-la. Pois conquistaram. E mudou alguma coisa? Acabou a fome do mundo? Acabaram as tragédias naturais? Curaram as hemorróidas? Ou pelo menos inventaram alguma coisa menos ridícula do que essas almofadinhas com um buraco no meio que parecem um donut gigante? Nada. Os caras foram lá, constataram que a lua estava coberta de pó, voltaram algumas vezes, pegaram umas pedrinhas, mas nem sequer levaram espanador para tirar o pó. Porcalhões, todos eles, comunistas e capitalistas. Porcalhões.

Pois bem. Algumas horas depois o profissional chega da rua, senta-se ao computador e começa a escrever laudas e mais laudas. Ou telas e mais telas. Estou omitindo o nome do fotógrafo por motivos que ficarão claros. E afinal, ele já não pertence mais aos quadros desta empresa.

Como ele ainda não tinha passado as fotos para o computador, eu não quis atrapalhar. Parecia muito concentrado no texto. Da minha mesa, ouvi quando o teclado parou e julguei que ele estivesse transferindo as fotos, para editá-las. Era hora de eu ir dar uma olhada. Ocupando toda tela do editor de imagens, havia uma mulher quase nua, com um belo corpo, em pose considerada sensual.

— Gostou, chefe? — perguntou ele.

— Gostei. Quem é a ruiva? — era ruiva natural a moça. Ou era muito detalhista na coloração.

— Ué, a Celeste!

— E quem é a Celeste?

— A mulher que tinha desaparecido. Ela tinha ido para a Argentina fazer um “trabalho fotográfico”. Olha só que trabalho — e me mostrou outras fotos da moça, que só não estava nua porque vestia uma gargantilha. Bem fininha.

— Mas que negócio é esse de moça desaparecida? — perguntei. — Você me falou que ia vasculhar o espaço em busca da lua, que havia sumido. — e comecei a ler o texto que ele havia terminado. Estava cheio de termos como cachorra, preparada, safada, popozuda, e outros ainda mais cabeludos. De cabelos ruivos. Desculpe, freguesa. Enquanto eu lia, ele se desculpava:

— Eu não tenho nada com o sumiço da lua, chefe. Eu passei o dia todo aqui, não pus a cara para fora da porta até a hora que fui procurar a Celeste, porque eu tinha uma dica de onde ela poderia estar.

— Quer dizer que aquela conversa de “selênico corpo celeste”...

— Ô chefe, olha que corpão! Não é selênico?

— Selênico? Em relação à lua ou ao selênio?

— Qual é, chefe! Selênico em relação a esse material todo! Olha só! Isso é uma sereia! — aí caiu a ficha.

— Você quer dizer sirênico, relativo a sereia?

— É silênico?

— Não, é sirênico. De sirene, sereia.

— Ahn...

Com toda a fúria de editor traído, mandei que ele voltasse à rua para fotografar a maldita lua.

— Mas chefe... a lua não sumiu?

— Calado! — exclamei. — Vá fazer a foto! — disse-lhe apontando a janela grande. Eu não queria sugerir que ele saltasse pela janela; apenas não me acostumei ainda com a nova disposição das mesas, que a mulher do feng shui disse ser mais harmônica. Ainda bem que ele entendeu e entrou no banheiro. Ou melhor, saiu pela atual porta que dá para o corredor que conduz ao elevador. Não pela que tem a coisinha pendurada, o espelhinho, porque aquela é só para entrar.

Pouco depois ele voltou com a foto e, talvez por suspeitar de minha irritação, cometeu de próprio punho o texto-legenda da foto que ilustra este texto. Como havia trabalhado na Folha, ele tinha prática em fazer legendas. Era um bom fotógrafo, sem dúvida, por isso conseguia registrar com suas lentes os momentos mais curiosos das celebridades. Lembro-me de uma foto famosa dele, na qual um ministro de estado cutucava o nariz com o indicador direito. A legenda era: “Ministro cutuca o nariz com o indicador direito.” Veja, freguesa, o texto-legenda que o maldito perpetrou para a foto acima: “A lua esteve ausente de nosso céu nesta quarta-feira, como comprova a imagem".

• PGC •

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