sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

A raiz da suspeita





O céu limpou tão depressa ontem que deve ter pego de surpresa um monte de alienígenas. Eles preferem ficar em seus discos voadores observando o movimento e os hábitos dos humanos em dias e noites de céu encoberto. Ao contrário de nós, eles enxergam através das nuvens. Mas quando o céu fica limpo muito rapidamente, como ocorreu, eles são pegos desprevenidos e têm de deixar a atmosfera terrestre rapidinho, para não serem vistos.

Algumas naves tiveram de zarpar na maior velocidade em direção ao espaço profundo, o deep space, como dizem os gringos, pois ficaram a descoberto. Observei uma delas pairando com as luzes apagadas, enquanto o piloto tentava fazer o motor pegar. Acho que o ET se afobou na partida, pisou muito fundo no acelerador, e deixou o motor afogar. E aí não tem jeito. Tem de esperar o carburador secar.

Esses discos voadores mais antigos, com motores aspirados, sempre fazem dessas. E convém apagar as luzes para poupar a bateria. Mas já há poucos desses em órbita, são raridades. Vistosos, coloridos, mas muito pouco eficientes. Só um ou outro ET mais conservador mantém sua velha nave encerada, brilhando. A manutenção dessas antiguidades custa os olhos da cara. E olha que alguns ETs têm vários pares de olhos em cada cara.

Hoje em dia os OVNIs têm propulsores de câmara osmótica diferencial, com diálise intraelementar de propulsão iônica. Não têm mais carburadores de palhetas e diafragmas. E não têm mais aquelas luzinhas piscando como antigamente. Agora é tudo sensorial, neural e dialítico. Qualquer idialien consegue ir para onde quiser.

São muito menores também. As naves, não os aliens. Estes continuam com toda a diversidade de tamanhos e formas que conhecemos e outras que não conhecemos. Algumas naves são tão pequenas que um ET precisa de várias delas para viajar. Por isso há pouca oferta de empregos para pilotos experientes de naves extraterrestres. A era de ouro dos ÓVNIS já era. Acabou o romantismo das gigantescas naves em forma de prato emborcado, de calota de fusquinha ou de pirâmide de base triangular. Era muito mais divertido naquele tempo, não acha?

As naves atuais não têm o menor glamour. São meras coisas, familiares a nós humanos. Já faz tempo que essa onda começou, mas as pessoas demoram a se dar conta do que acontece à sua volta. Quando viram os primeiros discos voadores, estavam presenciando os últimos veículos desse tipo. E o planeta já estava repleto de naves individuais das mais diversas formas, com seus ETs disfarçados de humanos circulando entre as pessoas.

Até mais ou menos a metade do século passado, havia ETs com misteriosos equipamentos andando pelos parques em São Paulo. Diziam-se vendedores de refresco, de chá gelado com limão. Circulavam entre as pessoas, cantando seus pregões, quase invisíveis. Mas registravam de perto os rostos, as formas, as roupas, as falas e os hábitos.

Tudo que viam, sentiam e ouviam ficava registrado no tambor, que chamavam de bomba. Sons, cores, expressões, movimentos, usos e costumes, tudo era gravado. A bomba era também a nave individual. Quando os parques fechavam, os ETs usavam os tambores como transporte para as naves-mães. Lá, as informações registradas eram descarregadas no sistema central de armazenamento, e as bombas ficavam prontas para receber novos dados. Eram reabastecidas com chá gelado, para serem novamente utilizadas no dia seguinte.

No Rio de Janeiro, até poucos anos atrás, esse sistema era comum nas praias. Conquanto sobreviva em algumas delas, trata-se de uma modalidade anacrônica de aquisição de informações. Atualmente é utilizada apenas por velhos ETs avessos ao uso de novas tecnologias. Ou que apreciam o visual das bundinhas na praia.

Enquanto as bombas de chá gelado estavam em pleno uso, quase um século atrás, já surgiam os pipoqueiros em frente aos cinemas, circos e parques de diversão. Todos usavam carrinhos iguais, com uma parte de vidro na qual ficavam as pipocas e uma área onde havia um fogareiro sob uma panela preta com uma manivela na tampa.

Parece que ninguém se perguntava por que todos os carrinhos de pipoca eram iguais. Não podia ter um com o fogareiro e a panela na frente? Ou separados do carrinho? Se o propósito fosse apenas o de vender pipocas, poderia. Mas não havia. Assim como não havia nenhum com a panela branca, limpa.

Todo mundo pensava que a manivela servia para mexer as pipocas, mas a finalidade era outra. Era um sistema de transmissão de dados online. Os carrinhos de pipoca não usavam mais dispositivos de armazenamento de informações; absorviam-nas e as transmitiam online, diretamente para seus planetas, pelo transmissor giratório, que para os humanos parecia uma panela suja com uma manivela em cima. Os carrinhos eram seu veículo individual de transporte.

Os “vendedores de algodão-doce” usavam praticamente o mesmo sistema. Usei aspas, porque a mim não enganam. O transmissor era parecido com o dos “pipoqueiros”, mas tinha uma sofisticação mecânica: em vez de manivela, usavam um sistema com pedais, com o que conseguiam uma velocidade muito maior, ou seja, transmitiam em frequências mais elevadas. E o transdutor não era mais preto e ensebado; era de alumínio brilhante.

Não é só na Terra que a tecnologia se desenvolve em grandes saltos. Em outros mundos tem ocorrido o mesmo. Ou você pensa que esses caras com aspecto de nordestino empurrando carrinhos de mão são realmente vendedores de mandioca? Todos usam um carrinho semelhante aos os usados na construção civil. Ninguém tem uma carriola de madeira, ou um carrinho de supermercado. Tem de ser desses de chapa de aço. Claro que se trata de outra modalidade de transporte individual, com um sistema de aquisição e transmissão de dados online.

É fácil perceber que há transmissão direta do carrinho para o planeta alienígena. Observe que o carrinho tem uma forma muito adequada para ser um concentrador de sinais voltado para o céu, como se fosse uma antena parabólica. Muito melhor do que o teto dos carrinhos de pipoca, que parecia um telhado de duas águas. Aquilo funcionava mais como dispersor do que como concentrador de sinais.

Creio que o novo sistema tem um dispositivo de redundância: os dados capturados são também armazenados nas cascas das raízes. Pode observar que os “vendedores” fazem questão de tirar a casca antes de colocar as raízes na sacolinha. Eles descascam as mandiocas com uma facilidade que nós, terráqueos, jamais teríamos. Isso porque sabem exatamente onde colocar a faca para desprender facilmente o dispositivo pelicular de armazenamento que chamamos de casca. A mim não enganam, mesmo que imitem o sotaque sertanejo do Nordeste.

Quem compra leva somente as raízes brancas. As “cascas” são armazenadas até a confirmação do sinal recebido. Se a transmissão online for satisfatória, as cascas vão para o lixo. Mas se houver alguma falha, retransmitem as informações armazenadas nos dispositivos peliculares. Essa é a redundância do sistema, muito recomendada em termos de segurança.

Os vendedores de mandioca em carrinhos-de-mão são ETs, como também o eram os pipoqueiros e os vendedores de chá gelado. Os médicos e enfermeiros aqui da instituição concordam plenamente comigo. Os poucos pacientes que discordam eu não levo a sério. São uns malucos.

• Celso Paraguaçu •

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