quinta-feira, 6 de março de 2008

A lista de Schindler



Não fui ver o filme, quando passou anos atrás. Também não li o livro. Suspeito muito de coisas de que todo mundo está falando. Em geral, se cai no gosto da massa não tem qualidade. Massa não pensa, apenas vai na onda, vai para onde os demais estão indo, sem perguntar nada. Se a freguesa já viu algum filme que mostrava as movimentações dos rebanhos de animais nas savanas africanas, sabe como é a massa. Basta que um comece a andar, para que todos andem. E o movimento se torna uma gigantesca migração.

É difícil distinguir no meio da massa qual é o indivíduo que decide movimentar a manada. Parece ser aleatório. Não há um líder, com características especiais. Qualquer gnu que tenha resolvido procurar um capinzinho mais fresco, mais verde, sai andando à toa, olhando para o chão. Instantes depois, todos os buzilhões de gnus estão andando na mesma direção do primeiro. Ninguém quer saber por que ele resolveu andar naquela direção nem por que se afasta. Todos vão atrás. Alguns até o ultrapassam, porque massa não tem líder. Um minuto depois do início da movimentação da boiada não se consegue mais identificar quem puxou o samba.

O próprio iniciador da caminhada já mudou de objetivo. De início, ele só queria um capinzinho fresco, mas quando viu todo mundo andando naquela direção, segue a tropa sem se dar conta de que foi ele que iniciou o movimento.

Assim são as modas, coisas tidas como espetaculares, que todavia não resistem ao tempo. Nas roupas – sobretudo, mas não unicamente, femininas –, nos ritmos populares, nos cortes e cores de cabelo, nos filmes e livros. A freguesa deve se lembrar de quando se tornou moda um tipo de sambinha brega cantado por grupos que tinham um vocalista chorão, não? A cada esquina formava-se um novo grupo, que escolhia nomes “criativos” como Sambobagem, Agonia do Samba, Samboiola, Sambiscate, etc. Algum desses grupos sobreviveu? Alguém ainda ouve essas músicas? É possível que em algum canto da remota periferia sobrevivam alguns pagodeiros, como se chamavam. Mas deixaram de atrair a massa.

A menção à periferia deve-se à observação de que nos limites da cidade as modas sobrevivem por mais tempo. Em geral há fortes manifestações culturais trazidas de outras partes, sobretudo a sólida cultura nordestina, que abrange desde o norte de Minas Gerais até a das profundezas do Maranhão ou do Pará. As modas sobrepõem-se à cultura importada como um protesto dos adolescentes, que desejam firmar-se como pertencentes à cultura urbana de massa e não à de seus pais e avós. “Vocês são sertanejos deslocados”, dizem eles ao mostrar seu anacrônico gosto pelo pagode, por exemplo, “enquanto nós somos parte da massa urbana, que não tem cultura, é apenas massa.” Só abandonam a moda antiga quando chega alguma moda nova que sirva aos seus propósitos de protesto.

Em geral, adolescentes são massa. Vestem-se de determinado modo ou agem como se gostassem de certo tipo de canção para serem reconhecidos como parte integrante de um grupo. Quando se tornam adultos, porém, podem desenvolver sua individualidade e personalidade. Podem escolher se vão continuar como massa ou se vão desenvolver o espírito crítico. A maioria, ao que parece, prefere continuar sendo massa. Dá menos trabalho. Não é preciso pensar se é bom, se é agradável, se é correto. Basta acompanhar a manada, fazer o que todo mundo faz, sem pensar.

É por isso que fico ressabiado quando ouço muita gente elogiando alguma coisa. Pode ser um cantor, um livro, um filme ou um esportista. Se muita gente está falando bem, provavelmente estão indo na onda e a coisa elogiada não tem qualidade. Por isso não fui ver “A lista de Schidler” nem tive interesse em ler o livro. Tinha muita gente dizendo que era ótimo.

Outro dia, contudo, dei de cara com a lista de Schindler. Estava na minha frente, exposta e clara, para quem quisesse ver. Observei cuidadosamente e concluí que meus conceitos sobre cultura de massa continuam válidos. A lista de Schindler não tem nada de mais. É meramente uma sucessão de letras e números. Começava em 8, depois 7,6,5,4,3,2,1, SL, T e SS. Igualzinha à lista de Otis e de Thyssenkrupp ou de qualquer outro fabricante de elevadores.

• PGC •



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